Conta um conto

terça-feira, 23 de março de 2021

O medalhão de Ukyara

 

Bóris e Erik sempre cresceram muito unidos na pequena cidade de Suceava, em 1937. O caçula cresceu admirando o primogênito, que sofria de gigantismo e era tratado como uma aberração por toda a comunidade. Isso fazia com que ele alternasse sentimentos de tristeza e ódio profundos, sempre consolado pelo seu único irmão e Estanislau, o vizinho que praticamente morava na casa deles. 

Após perderem os pais na adolescência, o gigante assumiu a função de cuidar do jovem Erik, mas encontrou bastante dificuldade em achar emprego por causa de seu tamanho que sempre acabava assustando as pessoas. Foi então que surgiu a ideia de levar o grandalhão para os ringues e apostar nas lutas. Em pouco tempo começaram a vir lutadores de todas as partes do mundo para enfrentar “Bóris, o Yeti” em qualquer estilo que quisessem. 

O treinamento do lutador envolvia subir correndo montanhas com um bezerro debaixo dos braços e halterofilismo com o tronco de uma árvore enorme que tinha sido derrubada por causa de um raio. Todo o seu corpo dele se transformou em puro músculo. Era temido e respeitado na mesma medida. Com essa fama conquistada ganharam o suficiente para viver bem.

Os anos foram passando e o imenso guerreiro continuou sempre muito cordial com todos, apesar de todo o tipo de preconceito que ele sempre tinha sofrido. Quando podia, trabalhava até em obras de caridade. No entanto, Erik guardava ressentimentos e não conseguia ser tão misericordioso. Sempre que podia gritava: 

_ Vocês têm muita sorte desse cara aqui ter um coração de ouro e não ser rancoroso, senão todos vocês estariam perdidos na mão dele! Aí sim vocês teriam motivos de sobra para ter medo!  

O sucesso de uns sempre atrai a inveja de outros e nesse caso não foi diferente. Ivan Yasparov tinha o melhor lutador da região até a chegada do desproporcional adversário e obviamente começou a perder dinheiro de maneira vertiginosa. Por esse motivo Estanislau acho tão estranho quando os irmãos foram convidados para um jantar em sua casa. 

Apesar do vizinho perceber que era claramente algum tipo de armadilha, Erik estava confiante demais para ignorar isso e preferiu acreditar que ele iria sugerir algum tipo de parceria ou algo do gênero. Bóris, doce como sempre nem desconfiou. Ao contrário, estava feliz por comer algo com um tempero diferente do que o seu irmão preparava. 

Infelizmente as suspeitas do vizinho se confirmaram com o falecimento do gigante gentil naquela mesma noite, envenenado de maneira covarde no suco de uva que ele foi o único a tomar. Morreu deitado em sua cama, algumas horas após o término do banquete e dessa forma ninguém suspeitou de nada. Seu irmão ficou inconformado e insistiu em pedir uma autópsia, mas o médico local não era muito qualificado para avaliar o tipo de veneno nem como o mesmo tinha sido ingerido. 

Depois de muito pensar, Estanislau lembrou-se de seu tio Yuri que mexia com ocultismo e vivia afastado de sua família. Tinha desaparecido dentro da própria casa, onde havia um estranho círculo na sala com runas pintadas com sangue no chão. A casa foi trancada e todos foram proibidos até de passar perto do local. 

_ Não estou seguindo o seu raciocínio. _ disse Erik enquanto se embebedava de gin para tentar aplacar o seu sofrimento. 

_ Talvez a gente encontre alguma maneira de vingar o Bóris. A gente sabe quem fez isso com ele, mas se utilizarmos o sobrenatural como arma, não poderemos ser julgados de crime algum. 

_ Você quer mexer com coisas além do seu conhecimento e os resultados disso podem ser muito, muito errados. Olha o que aconteceu com o seu tio. 

_ Vamos lá só dar uma olhada. Não custa investigar.  

_ Eu estou muito alterado para ir agora. Se quiser esperar iremos amanhã.  

_ Eu vou dar uma olhada hoje é qualquer coisa eu te aviso. 

_ Você que sabe. Não é muito inteligente ir sozinho. 

Estanislau esperou anoitecer para ir até a casa abandonada do seu tio sem despertar suspeitas. Como a porta estava trancada ele arrombou uma das janelas de madeira com um pé de cabra e entrou. O interior do local tinha um mau cheiro de carne podre e enxofre. O rapaz investigou e não achou nada muito suspeito, com exceção do círculo vermelho na sala. Foi então que ele percebeu que a porta para o porão estava trancada. Mais uma vez ele usou a ferramenta que havia trazido e abriu à força. O velho lampião de querosene que tinha trazido não iluminava muito bem, então foi descendo a escada com cautela. Quando estava nos últimos degraus começou a ouvir um choro feminino. Pensou em desistir, mas precisava seguir em frente. 

Foi caminhando devagar e olhando com cuidado ao redor. O lamurio foi ficando cada vez mais alto, à medida que ele se aproximava de uma estante. 

_ O que você quer de mim? _ Perguntou o rapaz com bastante medo em sua voz. 

Um livro velho de capa dura e rubra saltou do móvel e caiu no chão. Assim que Estanislau pegou a brochura uma estranha luz brilhou dentro da gaveta numa escrivaninha que até então ele não tinha percebido. Ele correu e abriu para investigar. Encontrou um medalhão com uma corrente dourada e uma gema lilás incrustada que brilhava muito forte. 

_ Coloque o medalhão! _ comandou a voz feminina. 

O rapaz saiu correndo assustado, levando o livro e o colar. O pé de cabra ficou largado na sala, afinal ele sabia que retornaria no dia seguinte. Foi para casa, mas teve sérios problemas para dormir, pois a joia brilhava intensamente na sala e uma estranha voz começou a sussurrar em seu ouvido no exato momento em que se deitou na cama: 

_ Eu tenho as respostas para o que você deseja. Sua vingança será saciada! Não está curioso para saber como? Venha e eu lhe darei todas as respostas! Eu consigo perceber que você mal pode esperar!  

Por fim ele não suportou mais e se levantou. Qualquer coisa para calar aquela maldita voz em sua cabeça. Sem contar que ele realmente ficou intrigado pela proposta sugerida. Quando se aproximou da publicação a mesma instintivamente se abriu e começou a folhear sozinha até parar em uma página onde ele podia ler em letras garrafais: 

FEITIÇO DE NECROMANCIA 

Se sentou na cadeira e estudou com cuidado aquelas instruções até amanhecer. Tomou uma caneca grande de café e foi procurar Erik com a solução para o destino de Ivan, que deveria pagar por sua atitude nefasta e covarde. O caçula estava com ressaca por causa da bebedeira na noite anterior, mas ouviu com atenção e gostou da ideia. Com muita dificuldade colocaram o cadáver do gigante numa carroça e o levaram bem cedo até a casa do tio de Estanislau. Despejaram o corpo em cima do círculo com runas e o colar em seu pescoço. O mau cheiro era quase insuportável, pois ele já estava se decompondo. Acenderam velas ao seu redor enquanto o vizinho leu um trecho do livro em voz alta: 

_ Aduceți acest corp la viață, astfel încât să poată riposta pentru relele care i-au fost făcute într-un mod atât de laș și nefast! Ridică-te, trup fără suflet! 

O círculo vermelho e a gema brilharam muito forte, mas Bóris permanceu inerte. 

_ Será que está faltando alguma coisa?_ disse Estanislau 

_ Talvez ele precise de uma alma. 

_ Será que alguém precisa se matar para que ele reviva? Não faz sentido. 

Enquanto os dois discutiam, o corpo do gigante começou lentamente a se mover. Ficou sentado e começou a olhar em volta, um pouco confuso. 

_ Funcionou! Gritou Estanislau emocionado. 

A dupla se abraçou e dançaram de felicidade, sem perceber que a criatura não os tinha reconhecido. Ficou em e caminhou trôpego em direção a eles. Ficou parado olhando os dois por um tempo. Fez cafuné no vizinho, dois tapinhas no rosto do irmão e partiu em direção à casa de Ivan. Chegou arrebentando portas e assim que o avistou disse: 

_ Nunca pensou que eu iria retornar, ? 

Ivan ficou pálido e sem voz. A criatura resolveu continuar: 

_ Você me matou após eu ter te contado que nós iríamos ter um bebê! Que tipo de monstro faz uma coisa dessas? 

_Cosmina? Mas como? 

_ Minha alma ficou presa em uma joia por anos até eu finalmente ter a chance de me vingar! Foi um pacto que eu fiz com um demônio, mas valeu a pena! Ah se valeu! 

Partiu em direção ao homem que foi desmembrado com uma violência e rapidez assustadoras. Ao ver todo aquele sangue e carne espalhados pela sala, sentiu fome e acabou o devorando. Essa foi a parte do feitiço que Estanislau não leu. O corpo reanimado não poderia comer carne humana porque isso o transformaria num zumbi descontrolado e faminto. 

Erik e seu amigo ficaram esperando do lado de fora da casa de Ivan para festejar com Bóris, mas o que saiu da residência foi uma criatura voraz que arrancou a cabeça do seu irmão com uma bocada. Estanislau correu assustado para uma farmácia enquanto a besta corria veloz atrás dele. Vários transeuntes resolveram atacar o gigante com pedaços de paus e garrafas, mas não surtiram efeito. Nem os tiros da polícia. Isso tudo deixou o monstro mais furioso e a rua acabou se tornando palco do maior banho de sangue da história daquela pequena cidade. 

Por fim Estanislau atirou um vidro de ácido que derreteu a corrente, quebrando o encantamento e fazendo a criatura cair inerte no chão. O rapaz ficou contente, mas não conseguiu comemorar porque tinha vendido sua alma sem saber ao demônio que fez o encantamento. Caiu sem vida enquanto sua alma foi sugada pela joia do medalhão. 

 


 

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