Conta um conto

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Confissões de um fanático por terror


 

Frederico Torres cresceu respirando e se deleitando com tudo ligado a terror e suspense. Sempre foi o seu gênero predileto desde criança, ansioso para ouvir os “causos assustadores” de sua avó Inácia, saboreando cada momento das estórias enquanto seus irmãos e primos quase faziam nas calças de tanto medo. Leu todos os livros e viu todos os filmes que podia. Não era uma simples questão de “gostar de sentir medo”. Havia algo mais que o incitava: como a história narrava a trajetória do personagem, independentemente de o mesmo morrer ou não no final. 

Dessa forma acabou desenvolvendo uma certa imunidade a sustos fáceis e cenas grotescas que eram incluídas com o simples propósito de chocar o seu público. A partir daí criou um canal de vídeo na Internet chamado “A hora do arrepio com Fred Torres”, em homenagem aos antigos programas de TV, onde compartilhava as suas opiniões que por sua vez acabaram lhe proporcionando uma certa notoriedade. 

Com o passar do tempo, foi ficando cada vez mais famoso a ponto de ganhar um programa de TV, discutindo com especialistas e críticos sobre obras recentes e antigas do gênero, que foi se tornando cada vez mais repetitivo e cansativo para ele, tendo em vista que sua vida se resumia a isso. Depois de um certo tempo, nada mais o surpreendia. Começou então a assistir então filmes cada vez mais perturbadores, que começaram lentamente a distorcer a sua alma e o seu psicológico sem que ele percebesse.  

Gradativamente foi se afastando cada vez mais do convívio social e acabou internado em um Hospital Psiquiátrico após ser flagrado tentando comer um coração de boi cru, olhando fixamente para o orgão do animal enquanto o segurava com as duas mãos sujas do sangue do mesmo. Tinha comprado a peça no açougue e pagou generosamente o seu fornecedor. Estava prestes a dar uma dentada no mesmo quando seu irmão, que tinha ido visitá-lo, saiu do banheiro e o surpreendeu.  

Foi então que decidiram que era hora de Fred “dar um tempo” e começar a assistir coisas mais leves, que não o levassem a passar tanto tempo pensando no assunto. Depois de uma longa intervenção, foi convencido a se internar em um Hospital Psiquiátrico, onde seria tratado por especialistas. 

Apesar de inserido em um óbvio cenário de filme de terror, os funcionários tentavam fazer de tudo para desviar a sua atenção desse contexto, pintando o seu quarto com cores alegres e uma televisão que exibia desenhos animados inocentes sem parar. Fred começou a relaxar e até curtir sua nova condição, quando o inusitado aconteceu: um dos enfermeiros apareceu morto certa manhã, após ter os seus olhos arrancados. A princípio ele pensou estar alucinando, mas teve certeza quando a polícia apareceu e o corpo foi levado pelo IML. 

“Homicídio em um Hospital Psiquiátrico? Que clichê!”  Pensou Fred enquanto tentava adivinhar quem teria feito aquilo com o pobre funcionário, cujo corpo foi encontrado extremamente pálido e enrugado, como se um aspirador tivesse sido colocado em sua boca e sugado sua alma e suas entranhas. E logo o Cássio, vulgo Cacinho, uma das pessoas mais amáveis daquele recinto? Não fazia sentido. Quem poderia ter feito algo tão insensível e medonho? Estaria sua mente lhe pregando peças? 

Estava deitado em sua cama, ponderando sobre esses assuntos quando ouviu o barulho de uma velha cadeira de rodas rangendo no corredor, rompendo o silêncio da madrugada. Depois de hesitar um pouco, se levantou e olhou pela pequena abertura que ficava em sua porta, de onde os médicos checavam os seus pacientes.  O que ele veria a seguir iria assombrar os seus sonhos até o fim de seus dias, mas obviamente ele não teria como prever isso. Uma figura medonha e escura com o formato humanoide e dois olhos amarelos andava arrastando a perna direita enquanto olhava em volta procurando a sua próxima vítima. 



Frederico sentiu a sua pulsação acelerar numa velocidade inacreditável e um frio cortante na nuca que o deixou paralisado durante alguns minutos. O que fazer? O que dizer? Quem acreditaria nele? Será que ele estava alucinando? Seria efeito dos remédios associado às memórias de todos os filmes de terror que ele assistiu? Decidiu então dormir e não pensar mais nisso, mas a criatura não saia de seus pensamentos. Ficou bastante cismado com tudo aquilo, embora preferisse guardar para si mesmo até ter uma prova concreta do que estava realmente acontecendo. 

Uma semana se passou sem incidentes e ele chegou a pensar que tudo tinha sido fruto de sua imaginação quando a segunda vítima apareceu: outro enfermeiro, chamado Matias, foi encontrado da mesma maneira. A única diferença entre os dois cadáveres foi o local onde foram encontrados, sendo o primeiro na sala de estar e o segundo no jardim.  

A polícia forense veio, procurou por todas as pistas e indícios para investigar, mas não encontrou nada. As câmeras de segurança registraram a criatura, mas a identificaram como um defeito na câmera. Problema do equipamento de qualidade inferior, nada mais. 

Talvez tivesse sido, talvez não, quem sabe? Na dúvida resolveu ignorar. Provavelmente era o efeito dos psicotrópicos que estavam lhe causando alucinações. Precisava pensar em outras coisas para conseguir dormir: risadas de criança, desenhos infantis, coisas simples e inocentes. O silêncio da madrugada era ensurdecedor e ele só conseguia ouvir o barulho dos ponteiros do relógio se movimentando, uma tortura silenciosa e particular. 

Tentou cantar baixinho para si mesmo, mas a voz não saiu. De repente o som de fortes batidas em sua porta. Seriam reais? Mais batidas. O suor frio escorria em sua testa. Talvez se ele ignorasse o barulho cessaria. Mais batidas. Porque não aparece ninguém? Não sabia dizer se estava sendo vigiado, porque não conseguia olhar para a porta. Sentia o seu pescoço travado com o seu rosto olhando para a parede, como se o pavor lhe restringisse todos os movimentos. A curiosidade era grande, mas o sentido de sobrevivência e autopreservação dominava o seu corpo. Se não fizesse contato visual, talvez fosse ignorado e esquecido. 

_ Não adianta se esconder, eu já sei que você me viu_ sussurrou uma voz macabra em seu ouvido. _ você mesmo se condenou. 

Frederico sabia que deveria tomar alguma medida drástica para se proteger dos outros e dele mesmo. Sentiu que precisava de isolação máxima, com camisa de força até acabar aquela confusão em sua cabeça. Não era real aquilo, não podia ser real. Era clichê demais para ser real. Mas então porque ele não conseguia relaxar confrontando essa lógica tão óbvia? 

Teve início então o processo para alcançar o auto enclausuramento máximo: saiu gritando pelado, batendo em todo mundo, comendo papel, urinando no meio do corredor enquanto gritava: 

_ Eu sou mais esperto que você! Você nunca vai me alcançar! Nunca, ouviu? Hahahahahaha 




Foi então trancafiado num cômodo acolchoado com camisa de força. Enquanto fechavam a porta ele gargalhava alto, sentindo um alívio imenso percorrer todo o seu corpo. Naquela noite ele dormiu sossegado como não fazia há muito tempo. No dia seguinte tomou uma sopa insossa de batata como se fosse um néctar, saboreando cada colherada. Tinha desvendado o código e orgulhoso de sua própria esperteza. 

Seus familiares ficaram muito tristes porque sentiram que ele estava se perdendo em si mesmo e nada podiam fazer. 

Estava deitado no chão, desfrutando o silêncio sossegado e contando baixinho feliz as costuras dos ladrilhos de espuma no teto quando de repente ouviu uma sinistra voz bastante familiar: 

_ Você realmente achou que iria se livrar de mim? Que ingenuidade! 

O rapaz assustado começou a gritar: 

_ Socorro! Ele retornou e quer me pegar! Alguém faça alguma coisa! 

Saltava e esperneava enquanto quicava nas paredes num ritmo desesperador e inacreditável. Um enfermeiro entrou correndo e Fred viu uma fumaça preta entrando dentro da boca do rapaz, drenando toda a sua força vital. 

_ Ele morreu por sua causa! Agora é a sua hora de pagar por isso! 

Saiu correndo agoniado com os braços imobilizados pela porta que tinha sido aberta. Gritava desesperado enquanto olhava para trás e via o vulto preto com olhos amarelos flutuando em sua direção. Os médicos e enfermeiras que estavam de plantão foram acudi-lo, mas só enxergavam a histeria do rapaz. Tentaram segura-lo para injetar um tranquilizante, mas isso só fez com que ele ficasse mais inquieto. Correu em direção às escadas e a última coisa que percebeu antes de despencar degraus abaixo e quebrar o pescoço foi o aviso para tomar cuidado porque o piso estava molhado e escorregadio. Seu último pensamento foi: 

_ Pelo menos não fui assassinado por um maldito clichê de filmes de terror. 

Ninguém nunca entendeu porque ele morreu sorrindo. 

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