Microcontos de Terror

 

Armando Calil sempre foi um cético e se orgulhou disso. “Quem acredita em sobrenatural é tonto, atrasado, lerdo das idéias!” Chutou todos os trabalhos de macumba que encontrou e bateu em todas as ciganas que se ofereceram para ler a sua mão. Agora está no necrotério com o corpo cheio de pústulas fedorentas que nenhum médico consegue explicar. Seus olhos são duas bolhas negras e suas orelhas estão amarelo- esverdeadas, enquanto sua língua está roxa como vinho azedo. 

Jonas Ferreira estava dirigindo à noite na estrada quando os faróis do carro iluminaram uma criatura bizarra caminhando alguns metros à sua frente. Ficou tão assustado que seu carro acabou perdendo o controle e caiu numa vala. Seu corpo não foi encontrado até hoje. Os policiais só sabem afirmar que ele foi arrastado por alguns metros dentro da escuridão, mas perderam a sua pista. 

Aurora estava ofegante em frente à casa do seu novo namorado. Há muito tempo não se sentia tão feliz e realizada. Desde que o tinha conhecido através de um aplicativo de relacionamentos, conversavam todo o tempo e pareciam almas gêmeas. Agora iria finalmente conhecer a casa dele pela primeira vez! Tantas especulações e sonhos passavam pela sua cabeça! Mal sabia a moça que seria torturada e desmembrada dali a alguns minutos...

Carlão chegou bêbado em casa tarde da noite e beijou a sua esposa com carinho, enquanto pensava na tarde de sexo tórrido que teve com a sua amante num hotel chique. Após ter conhecido Danuza, que era rica e sofisticada, aquela mulher na sua frente tornou-se física e mentalmente inferior. Desprezava-a cada vez mais, pensava no divórcio mas não queria pagar pensão, especialmente depois que ela tinha cometido o erro de engravidar dele. Foi com esses pensamentos que comeu quieto o seu jantar, um empadão de frango cheio de veneno de rato. 

Enquanto passava seus últimos momentos de vida afundando lentamente na areia movediça, Afonso só conseguia pensar na segurança de seu irmão desaparecido na floresta que agora lentamente o digeria. Seria essa a única forma de se reencontrarem? Pensou nas duras palavras que disse a ele antes de sua partida. A escuridão da noite parecia se fundir com a floresta para selar o seu sono eterno com um longo abraço negro. Últimas palavras? Nem cogitou. Quem iria ouvir naquela hora?  

Salazar nunca acreditou no sobrenatural, orgulhava-se de ser ateu.  Por isso não se importou em comprar uma cada mais barata porque a mesma tinha sido condenada por um padre. Alertaram sobre os perigos de poltergeists e o mesmo respondeu com uma sonora gargalhada. Ignorou o fato de que o cachorro ficou inquieto desde que ele se mudou com a mulher e dizia que o vento fazia os móveis e objetos se mexerem sozinhos. Agora quem iria acreditar que viu um vulto negro empurrando sua esposa do alto da escada, fazendo com que ela quebrasse o pescoço? Os policiais o algemavam enquanto ele encarava o vazio, condenado pelo seu próprio ceticismo... 

 

O futuro de Eugênio Dantas era promissor. Mulher grávida, promoção para cargo de alto escalão na empresa, morando em cobertura na capital. Filantropo, tinha posição de destaque na sociedade porque gostava de ajudar os menos favorecidos. Nada disso importava mais. Agora tudo isso terminava em questão de horas, enquanto era lentamente devorado por um canibal que morava perto da beira da estrada. E tudo isso porque a gasolina do seu carro acabou e ele buscava o posto mais próximo... 

Marcolino voltava a cavalo depois de jantar na casa da namorada. Primeira noite em que tinha conhecido os pais dela. Certeza que tinha impressionado! Caprichou no visual, passou perfume e tudo mais! Já era bem tarde da noite e a estrada de terra estava um pouco escura, pois era noite de lua nova. Nada disso abalava o seu estado de espírito! Passou por um túnel da bambus e nem percebeu quando um espantalho despencou da escuridão e caiu na sua garupa. Só o cavalo chegou em casa.   

Sérgio Macedo decidiu finalmente estrear o seu canal de investigação sobrenatural invadindo a casa abandonada que outrora tinha pertencido a um notório serial killer que tinha o estranho costume de se alimentar do tutano de suas vítimas. Juntou dinheiro, comprou equipamentos de última geração mas não conseguiu ninguém para acompanhá-lo. Apesar de todas as advertências foi sozinho e nunca mais foi encontrado. Quant às filmagens, eram tão medonhas que ninguém nunca conseguiu assistir até o final das mesmas. Sérgio conseguiu a notoriedade, mas não como imaginou....