Enzo começou desde cedo a trabalhar para o gângster alemão Hanno Lasker. Começou fazendo pequenas transferências para lavagem de dinheiro através de seu celular aos dezoito anos e com o tempo foi ganhando confiança para fazer cada vez maiores movimentações monetárias, sempre ficando com uma porcentagem.
Dessa forma, sempre tinha mais dinheiro que seu irmão mais velho Raul, que por sua vez ficava ressentido por receber menos, mesmo sendo o único dos dois a possuir diploma universitário. Sentia-se injustiçado e com raiva ao vê-lo desfilar com carros, roupas e mulheres, indo a restaurantes e passando finais de semana em clubes caros. Além disso, ele pegava uma parte do dinheiro que recebia e dava para os seus pais, aumentando o ciúme do professor de Geografia e fazendo que o mesmo se sentisse cada vez mais inferiorizado.
Ele também incomodava o braço direito de seu chefe, Bastian Wieseltier, pois era secretamente interessado pela filha do mesmo, Martina Lasker, com o único propósito de consolidar o poder e herdar o império do seu sogro.
Enzo e a garota acabaram ficando mais íntimos porque não tinham interesse em poder. Só queriam dinheiro suficiente para não precisar de trabalhar e viajar o tempo inteiro, desfrutando o melhor que a vida pode oferecer. No entanto, apesar das investidas da moça, que era bastante atraente por sinal, ele sabia que estaria brincando com fogo se embarcasse naquela brincadeira. Dessa forma, ela acabou se envolvendo secretamente com Rinaldo Gorganti, um traficante de cocaína em ascensão na cidade, para fazer ciúme nele.
Lasker, suspeitando das atividades de sua filha, pediu ao rapaz que a seguisse de longe e informasse o seu itinerário somente a ele. Entretanto Bastian acabou ouvindo a conversa e insistiu para ir junto, afinal ele precisava proteger os seus interesses. Muito a contragosto, o aprendiz de mafioso acabou aceitando a companhia.
O carro de Martina parou em frente à Cantina Gorganti e o parceiro de Enzo logo ligou os pontos
_ Filho da puta! _ Disse ele rangendo os dentes enquanto pegava o revólver no porta-luvas. Depois virou-se para ele_ você sabia disso?
Enzo estava pálido e nem conseguia raciocinar direito. Começou a gaguejar:
_ Eu, eu, eu.
_ Sabia ou não sabia, porra?
_ Eu, eu estou tão surpreso quanto você. A chance de isso tudo dar merda é tão grande que não consigo nem pensar direito.
_ Já deu merda! Merda grossa! _ gritou Bastian saindo do carro.
Enzo pegou no seu braço, mas tomou uma cotovelada na boca.
_ Me desculpe, foi puro reflexo.
_ Não tem problema. Só queria evitar que você fizesse uma burrice, invadindo um lugar cheio de gente armada para começar uma guerra sem a autorização do seu chefe.
_ Obrigado por intervir. _ tirando um lenço do bolso completou. _ Toma. Limpa aí que sujou de sangue.
Enquanto isso o casal saía do Restaurante e entrava no carro dela.
_ Filho da puta, você não me escapa! _ disse Bastian espumando de ódio. _ Vai, vai, vai! Não perde eles de vista.
Enzo sentiu a alma saiu de seu corpo, como se já não fosse mais responsável pelos acontecimentos a seguir. Estava na iminência de um desastre e não podia fazer nada. Talvez pudesse fingir que o carro morreu ou estivesse sem gasolina. Talvez forçar uma batida de leve em um outro carro. Qualquer coisa menos seguir Martina naquele momento, mas porque ele seguiu fazendo? Provavelmente porque parte dele sentia ciúmes e quisesse trazer sofrimento ao italiano, utilizando uma outra pessoa e livrando-se de parte da culpa. Se alguém perguntasse, ele estava somente cumprindo ordens. “Só estava dirigindo, nem saí do carro.” Mas o motorista de fuga também não faria parte dos assaltantes de um banco?
Enquanto pensava nisso viu o carro de Martina parar em frente a um hotel. Entraram e depois de um tempo foi a vez do alemão irritadiço.
_ Espera aqui, disse Bastian enquanto saia do carro e enfiava o revólver na parte de trás da calça. Sua pistola tinha silenciador, por isso ele se sentia seguro para atirar em qualquer lugar.
_ Não vai dizer que foi por falta de aviso. _ respondeu Enzo já querendo se isentar da culpa dos acontecimentos a seguir.
_ Não esquenta que vai dar tudo certo. Eu sei o que estou fazendo.
O tempo pareceu uma eternidade enquanto Enzo tamborilava no volante do carro. Seria prudente ligar para Hanno Lesker? E o que ele poderia fazer? Estava numa encruzilhada. O jeito é esperar para ver o que acontece.
Bastian saiu carregando uma bolsa de viagem numa mão e Martina esperneando pelo braço na outra. Jogou a valise no banco de trás do carro e disse:
_ Dá um sumiço nessa coisa. Eu vou levar essa moça para um passeio. Temos muito o que conversar.
A filha de Lesker olhou para seu amigo com um ar de decepção, como se tivesse sido traída por ele. O jovem por sua vez, não tinha muito o que dizer, tinha caído de paraquedas no meio de tudo aquilo. Não tinha a mínima idéia do que tinha acontecido, nem o que havia naquela bolsa. Seria a cabeça do italiano? Não, ele iria demorar muito tempo para cortar e estaria sujo de sangue. Enquanto divagava ouviu um grito:
_ Tá esperando o quê? Vai, vai, vai!
O jovem motorista dirigiu sem parar até chegar no seu prédio e colocou a valise embaixo da sua cama. Sentou-se no sofá e tomou um copo de cachaça para descarregar a adrenalina que percorria o seu corpo. Sua cabeça rodava. Tomou um banho e deitou-se no sofá. Dormiu ali mesmo. Acordou com um telefonema do seu irmão Raul.
O professor de Geografia estava afundado em dívidas, mas não queria perder a posição de “macho alfa provedor” em seu mais recente relacionamento amoroso. Precisava de dinheiro urgente.
Enzo se propôs a ajudar, pois gostava de seu irmão. Na verdade, até o respeitava por levar uma vida honesta. Aquela loucura que ele encarava todos os dias não era para qualquer um. Já tinha encarado tantas encruzilhadas que ele frequentemente questionava as suas próprias escolhas. No fim aceitava tudo e seguia em frente, como alguém que salta de bungee jump sempre confiando de que alguma forma, sempre seria puxado de volta para cima.
Enquanto esperava a chegada de seu irmão recebeu um outro telefonema, sendo convocado para uma reunião urgente com Hanno e Bastian, provavelmente para decidir os próximos passos na iminente guerra entre famílias. Sem tempo para esperar, mandou uma mensagem para Raul pelo Whatsapp dizendo que a porta de sua casa estava aberta e que ele o esperasse retornar para conversarem sobre o empréstimo do dinheiro.
Raul chegou e enquanto esperava, resolveu bisbilhotar para saber mais sobre a vida secreta de Enzo, que estava sempre cheio da grana, mas morava em um apartamento humilde numa zona suburbana. O que ele estava escondendo? Tentou acessar o computador, mas ficou irritado quando o mesmo pediu senha. Fuçou nos armários, estantes e nada suspeito. Foi então que ele avistou a bolsa embaixo da cama. Abriu e não acreditou na quantidade de dinheiro que havia ali dentro. Na verdade, era o pagamento de uma transação de drogas que Rinaldo estaria fechando naquela tarde, se não tivesse sido morto por Bastian num quarto de hotel.
A ganância falou mais alto e ele decidiu levar a bolsa consigo, sem avisar o seu irmão. Pela primeira vez na vida se sentiu tão rico que não resistiu à vontade de esbanjar, passeando com a bolsa para cima e para baixo, obviamente atraindo a atenção dos seus legítimos donos. Sendo assim, não demorou até que o mesmo fosse rastreado e morto.
Seu irmão ficou sabendo através de um print de uma imagem no Instagram. Entendeu o que tinha acontecido quando percebeu que a valise embaixo de sua cama tinha sumido. O assassino provavelmente pensou que Raul morava naquele prédio, então não iria demorar até que fossem atrás do seu apartamento, provavelmente para fazer uma queima de arquivo. Pediu a Lasker uma arma e começou a praticar incessantemente com Bastian em um sítio isolado. Enquanto isso a guerra entre os alemães e italianos começava a esquentar. Muitos morreram até que fosse feito um acordo que beneficiasse ambas as partes.
Estava chegando na porta do seu prédio quando ouviu alguém chamando o seu nome. Era Martina que precisava falar urgente com ele. Tinha conversado com seu pai sobre quem ela realmente amava. Hanno não fez oposição, pois gostava do garoto, mas Bastian não gostou nada daquilo. Quando estavam a ponto de se beijar na entrada do edifício, Enzo viu o alemão chegando furioso com o revólver apontado para os dois e empurrou a moça para o lado, tomando um tiro no ombro.
O jovem caiu sentado no chão enquanto Martina se levantou e mandou uma joelhada no saco de Bastian. Ela o ajudou e juntos correram para o elevador, enquanto o alemão agonizava. Para alcançá-los ele resolveu subir as escadas correndo, mas não esperava que parte delas estaria ensaboada por conta da competição de duas crianças. Escorregou e caiu, quebrando o pescoço.
Martina chamou uma ambulância que levou o jovem ferido e o corpo de Bastian. Tempos depois, graças à foto de juliano, a moça conseguiu identificar quem era o assassino de Raul. Era Natale Genovesi, o melhor amigo de Rinaldo que gostava de pintar o seu cabelo de loiro, pois segundo ele, “fazia sucesso com a mulherada”. Seu penteado e seus óculos escuros o destacavam bastante e ele fazia questão disso.
Enzo estudou o itinerário de sua vítima com cuidado para não recomeçar uma guerra. Precisava fazer um serviço limpo, de forma que parecesse um acidente. Por sorte, Natale resolveu voltar atrás do fotógrafo, que tinha relaxado o seu comportamento depois da morte de Bastian.
Estava voltando de um jantar com Martina quando viu Natale rodeando a praça e tentando emular a foto para estudar de onde ela tinha sido tirada. Um mendigo que estava dormindo num banco ficou incomodado e começou a mandar ele embora. Quando ele se virou para bater e possivelmente matar o sem-teto, foi sufocado por trás com um fio de nylon, sendo depois carregado para o porta-malas de um carro onde foi devidamente desovado nos limites da cidade. Enzo não sentiu orgulho nem se sentiu vingado pelo que fez. Só tinha em seu íntimo a necessidade de encerrar aquele capítulo.
Talvez a única pessoa feliz com aquilo tudo foi o mendigo e talvez Juliano, que nem sabe o quão perto esteve de morrer.
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